Vida de cachorro
Algumas raças de cachorro parecem entrar em extinção. Os dobermanns, por exemplo, fizeram sucesso até meados dos anos 90, e hoje cadê? Eu também ficava encucado com os pequineses, que eram obrigatórios em qualquer casa de madame há vinte e poucos anos, e depois se escafederam. Quando cheguei na China é que matei a charada. Os pequineses continuam onde sempre estiveram – em Pequim, ora bolas.
"O cachorrinho tem telefone? Vende e faz uma plástica!!"
O antipático cão-leão é comum nas casas da cidade que lhe deu nome. Outras raças locais que hoje fazem sucesso no Ocidente, como o pug e o shih tzu, também estão bem representados em sua terra-mãe. Peludos ou pelados, eles têm em comum o tamanho diminuto e a fuça amassada. Há quem goste – eu sou mais cachorros com cara de cachorro, com os vira-latas em primeiro na lista. Mas a predileção chinesa por cães menores tem uma razão a mais: a lei.
Ter cachorro em Beijing é uma burocracia do cão. O registro é obrigatório, só é permitido ter um por casa e o bicho não pode ter mais que 35 centímetros de altura. Você precisa ir à delegacia mais próxima, levar documentos e até foto 5x7 do cãozinho, tirada de frente como convém a um documento oficial. A taxa de registro não é barata: 1000 yuans (R$ 250), com desconto de 50% se o cachorro for castrado, e deve ser renovada todo ano por 500 yuans (R$ 125). Pelo menos o check-up obrigatório está incluso no valor, junto com a vacina contra raiva – aliás, parece que a razão para toda essa burocracia foi o rápido aumento de incidência da doença. Gatos, coelhos, hamsters e peixinhos dourados estão livres da papelada.
O crescente poder aquisitivo dos chineses tem levado o pessoal a gastar cada vez mais com animais de estimação. E dá-lhe pet shop, roupinha pra cachorro, tosas esdrúxulas. De vez em quando vejo até poodle cor-de-rosa desfilando por aí. Algumas transformações são ainda mais radicais: recentemente virou moda pintar cão chow-chow (aquele da língua roxa) como se fosse panda.
E tem até quem transforme seu Golden Retriever num Panthera Tigris.
Conforme cresce a popularidade dos cachorros como o melhor amigo do chinês, cai a demanda por carne de cão. Assar um vira-lata nunca foi das atividades favoritas dos habitantes da capital, mais fãs de pato e porco. Mas, mesmo aqui, muitos restaurantes especializados na cozinha de outras províncias da China – sem falar nos coreanos – ainda oferecem cachorro no cardápio. Não é das carnes mais baratas, nem das mais apetitosas, mas os apreciadores garantem que faz um bem danado pra saúde.
Hoje em dia, o efeito “fofura” parece ter mais peso. Que o diga o mendigo que bate ponto na avenida atrás do meu prédio. Ele sempre tem um ou dois filhotinhos ao lado, e sua canequinha de esmolas fica invarivalmente mais cheia que a de seus colegas. Quando os cãezinhos crescem, são misteriosamente substituídos por novos filhotes. Onde eles vão parar, é uma questão que só o estômago do mendigo saberá responder.
狗 é "cachorro", 肉 é "carne". E não estão vendendo hot-dog...
Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto
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