14/03/2009

Os textos inacabados do Biselho # 07

Em agosto de 2005...



Este é o centésimo post do bISELHO, e deu vontade de voltar a contar histórias. No começo do blog eu falava dos tombos engraçados, da visita ao zoológico e dos primeiros de abril que eu tinha passado. 100 posts depois, vejo que tenho escrito bem mais sobre discos, filmes, sites que descobri, e resolvi contar alguns casos do passado pra variar um pouco.

Daí lembrei do reveillón de 2000 pra 2001, virada de século, que passei na Bahia, na primeira vez em que me aventurei na região nordeste brasileira. Fui com meus pais e meu primo Bruno. A intenção era subirmos de carro até Ilhéus, mas as muitas e muitas horas na estrada nos cansaram e nos fizeram pesquisar num guia de viagem alguns hotéis numa cidade mais perto que nosso destino original. Chegamos ao Quiriri Park Hotel, na cidade de Prado, na tarde do dia 27 de dezembro, e nos estabelecemos em dois quartos, um para meus pais e outro que dividi com o Bruno, onde tínhamos, com certa freqüência, problemas com baratas.

Não havia realmente muito o que fazer na cidadezinha. Tinha uma feirinha noturna, um monte de lojinhas de bugigangas e praias apenas razoáveis, como a da praia da Barraca 51, a melhor que encontramos por ali. Nossas manhãs de sol, na verdade, eram mais dedicadas a passear pelos arredores do que ficar em Prado. Fomos à praia do Tororão, ao balneário de Guaratiba, à farofada de Alcobaça e à impronunciável Cumuruxatiba. O melhor lugar que achamos foi Guaratiba, uma espécie de condomínio fechado misturado com praia, onde os garçons que nos serviam não faziam jus às boas ondas que o mar de lá nos oferecia.

O cúmulo foi o diálogo que tive com um garçom:
- Me traz uma Coca.
- Só tem Pepsi – disse ele.
- Então traz uma Fanta.
E, quando vejo, ele tinha me levado um Guaraná.

Guaratiba e as demais praias vizinhas eram em geral melhores que as de Prado, e o sol tão forte quanto, e o resultado foi que me queimei feio no lugar menos improvável, o peito do pé, onde tinha esquecido de passar protetor solar. Demorei uns dois dias para conseguir calçar um simples chinelo, e tive que caminhar descalço pela cidade quando íamos jantar à noite em restaurantes como o “Bânâna” da Terra, acentos circunflexos meus numa imitação da pronúncia local. Na falta de um creme pós-sol para aliviar o ardor do pé, a única solução foi passar Hypogloss. Na manhã seguinte, cometi o terrível erro de brincar com o pé na areia, que grudou toda na pomada, causando arranhados irritantes quando precisei, no banho, tirar a mistura grudenta do peito do pé.

Nossa rotina de praia de manhã/hotel de tarde/restaurante à noite durou até o último dia do ano, e também do século e do milênio, quando estávamos todos meio queimados e o dia ainda amanheceu meio nublado, e em vez de irmos à praia decidimos pegar o carro e dirigir até o Monte Pascoal, o primeiro monte de terra que a esquadra de Cabral avistou no dia em que chegou a Porto Seguro.

Assim que chegamos lá, os pataxós que nos receberam indicaram o caminho para o Centro de Visitantes, que não tinha muita coisa além de uns mapas e um jaboti, que um indiozinho se apressou em colocar no chão pra andar quando viu que tinha gente chegando. A grande atração turística do parque era mesmo a caminhada até o topo do Monte. Quando expressamos o desejo de subir até lá em cima, o jovem índio que seria nosso guia olhou pros meus pés calçados apenas com chinelos e perguntou:

- Você não tem um tênis, não?

Eu não tinha, e logo entendi o porquê. A caminhada no Monte, que começava plana e ia ficando cada vez mais íngreme, era feita sobre um tapete imenso de folhas e mato, e eu tinha que olhar muito bem pra onde estava pisando porque os insetos que habitavam aquela região eram, digamos, um tanto maiores que os que eu estava acostumado. Um bom tempo depois, meu pai cada vez mais cansado do terreno cada vez mais difícil, perguntou ao indiozinho que ia na frente quanto mais faltava até o topo, e ele respondeu:

- Uns dois terços.

Voltamos para o ponto de partida, desviando das formigas gigantes, sem nem ao menos atingirmos a metade da subida ao topo do Monte. Antes de ir embora ainda assistimos a uma apresentação de dança indígena, onde todos ficavam andando em círculos enquanto repetiam: “Pataxó subiu a serra, todo enfeitado de pena / Ele foi e ele é o guerreiro da Jurema”.

Do parque, em vez de voltarmos ao tédio do hotel, pegamos o sentido contrário da estrada e subimos ainda mais, em direção a Porto Seguro. Em uma tarde fizemos visitas rápidas à cidade e também aos seus “satélites”, Trancoso e Arraial d’Ajuda, cujo único acesso era por uma balsa que levava passageiros e carros por sobre o rio Buranhem.

O único problema era a axé music, uma constante por aqueles lados baianos. Não chegamos a ouvir uma música boa naqueles dias passados no Nordeste. A única rádio que tinha pra ouvir quando passávamos horas na estrada, como naquele 31 de dezembro, era a Pataxó FM, na qual ouvimos pela primeira vez, e várias outras vezes depois, uma das canções mais peculiares daquela época, Bomba, cantada pelos Braga Boys, que começava com os versos “Sensual, o movimento é sensual / Sensual, o movimento é bem sexy / Sexy, o movimento é bem sexy / Sexy, já tá chegando o Braga Boys com essa dança que é uma bomba...”.

Era essa a música que pairava nas nossas cabeças, quando chegamos ao hotel com o sol já posto e descobrimos que a luz tinha acabado, e isso que precisávamos tomar banho para sair e comemorar a passagem de ano. Tomar banho no escuro não foi tão difícil. Complicado mesmo era descobrir qual a cor das camisas que estavam no guarda-roupa e como pegar a branca pro reveillón, pois a única luz de que dispúnhamos, além do pisca-pisca de um farol tão longe que não adiantava nada, era a luz azul do meu relógio de pulso, que também não ajudava já que modificava a cor das camisas. Quando descemos pro saguão do hotel e conferimos, à luz de velas, se as camisas estavam mesmo certas, a energia ainda não tinha voltado e a maioria dos hóspedes estava lá embaixo, esperando a ceia prometida pela gerência do hotel, que só pôde ser realizada quando a luz voltou. Passamos as últimas horas do ano 2000 em busca de algum lugar onde ficar na hora da virada, e cogitamos até o show dos Braga Boys que estavam anunciando no centro de Prado, mas acabamos optando por uma prainha meio deserta, onde brindamos com champanhe e vimos os fogos em meio a várias contagens regressivas diferentes que ouvíamos.

Quando o século XXI chegou, a musiquinha do movimento sexy ainda continuava na nossa cabeça.

*****

Em março de 2009...

A década já tá quase acabando de novo, mas a saudosa canção dos Braga Boys pode ser relembrada no YouTube.

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Lucas Paio já foi campeão mineiro de aviões de papel, tocou teclado em uma banda cover de Bon Jovi, vestiu-se de ET e ninja num programa de tevê, usou nariz de palhaço no trânsito, comeu gafanhotos na China, foi um rebelde do Distrito 8 no último Jogos Vorazes e um dia já soube o nome de todas as cidades do Acre de cor, mas essas coisas a gente esquece com a idade.

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